Todo dia tinha um quadro em branco a ser pintado. Demorou para que eu conseguisse fazer os primeiros rabiscos. Passava horas olhando mas não conseguia começar porque, o que eu imaginava, era lindo e perfeito, mas eu não sabia como fazer. Então notei que a galeria guardava os quadros que eu deixei em branco. E os com os rabiscos.
Me acostumei com o pincel, com a textura, com a cor. E um belo dia, tinham duas cores. No outro, mais outras tantas e pincéis diferentes. Queria fazer o quadro mais lindo do mundo mas não sabia. E a cada dia, tinha uma nova tela para praticar.
Tinha dias que o desenho era iluminado; outros dias sombrios; outros, melancólicos. Não eram exatamente o que eu imaginava. Resolvi fazer devagar. Começava, parava, continuava, parava e o dia acabava. E o quadro voltava a ficar branco. A tela inacabada se juntava aos demais quadros da galeria. Só podia observá-los, já não podia terminá-los.
Entendi, então, que cada dia era o tempo para começar e terminar, para errar e aperfeiçoar, para desenhar e realizar. Era o que fazia. Todos os dias. Fiquei confiante, dominava a tela, as tintas, os pincéis. Mas foi então que um dia, no lugar da tela, havia um papel e, no lugar das tintas, giz.
Com receio e curiosidade, tentei. Era diferente, mas segui. E numa constância sem lógica, o material mudava. Às vezes era grafite, às vezes era spray, às vezes era tinta sem pincel. No chão, na tela, na parede, no papel.
Os desenhos passaram a oscilar junto com os materiais. E voltei a esperar.
Começava e deixava para amanhã. Mas o novo dia chegava e o desenho já tinha ido para a galeria. Do jeito que estava. Esbravejar? Rasgar o papel? Destruir a tela? Lá estavam eles, pendurados na galeria.
Quisesse ou não, o dia era hoje e as ferramentas, as que se apresentassem.
E fiz o desenho mais lindo que podia, a cada dia, com o que podia. Porque ontem não posso tocar mais e amanhã… amanhã nunca chega. O dia é hoje.
Feliz dia novo!
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